sábado, 16 de outubro de 2010

Enfim, Dilma divulga carta aos evangélicos

Por Pr. Geremias do Couto

Que Dilma você prefere: a que mudou o discurso ou a anterior?

Desde cedo, ontem, circularam as notícias mais desencontradas. A príncípio, segundo alguns veículos da imprensa, DIlma retrocedera e não assinaria nenhuma carta para atender as revindicações dos líderes evangélicos, que se reuniram com ela no dia 13 de outubro. Prevalecia a tese dos linhas-duras do PT, que viam nisso retrocesso perigoso para a estratégia petista de médio e longo prazo. Mas como seria dificil explicar essa meia-volta diante da expectativa criada com a promessa de divulgação da carta, optou-se então por formalizá-la e, com isso, tentar dar um fim à discussão que a própria candidata trouxe para a campanha, quando começou a desdizer o que dissera antes como parte de sua crença e filosofia de vida. 

Acabei de ler o documento. Quem esperava um tiro de canhão, ouviu um estampido de bomba de São João. A emenda saiu pior do que o soneto. Peço licença ao Reinaldo Azevedo para fazer um azul e vermelho com os pontos da açucarada carta. Aí vai:

Dirijo-me mais uma vez a vocês, com o carinho e o respeito que merecem os que sonham com um Brasil cada vez mais perto da premissa do Evangelho de desejar ao próximo o que desejamos para nós mesmos. É com esta convicção que resolvi pôr um fim definitivo à campanha de calúnias e boatos espalhados por meus adversários eleitorais. Para não permitir que prevaleça a mentira como arma em busca de votos, em nome da verdade quero reafirmar:

A introdução já começa com uma premissa errada. Quem rascunhou a carta esqueceu-se que o Mestre ensinou a amar o próximo com o mesmo padrão de amor que ele teve em favor da humanidade. Se nós mesmos nos constituirmos como medida, corremos o risco de dar com os burros n'água. Por outro lado, não é verdade que as últimas notícias envolvendo Dilma Rousseff sejam calúnias e boatos. Os fatos estão documentados e foram divulgados com provas cabais sem que houvesse qualquer articulação nesse sentido, como reação natural ao novo discurso que a candidata inaugurou na campanha para atrair o eleitorado cristão.

1. Defendo a convivência entre as diferentes religiões e a liberdade religiosa, assegurada pela Constituição Federal.

Não é isso que transparece no PNDH 3, forjado na Casa Civil comandada pela então ministra, que propõe entre outras aberrações estabelecer conselhos para a diversidade religiosa, como se fosse papel do Estado interferir nos cultos de qualquer crença.

2. Sou pessoalmente contra o aborto e defendo a manutenção da legislação atual sobre o assunto.

Esse é o calcanhar de aquiles de Dilma Rousseff. Contraria o que afirmou em entrevista à Folha, em 2007, quando considerou absurdo que o Brasil não tivesse ainda descriminado o aborto, o que reafirmou posteriormente, no ano de 2009, já na condição de pré-candidata, em entrevista a Marie Claire. O advérbio "pessoalmente" é uma forçação de barra e pressupõe que nem sempre o desejo pessoal pode sobrepor-se aos "interesses de estado". No caso, a descriminação do aborto. Mas que estado, o do PT? É fácil, agora, dizer que defende a manutenção da legislação atual sobre o assunto, quando, ao contrário disso, a Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres fez da pauta a sua prioridade durante o governo Lula, o PNDH 3 reforçou a mesma política e já há projetos de lei em andamento para cumprir a proposta. Isso não é nada mais do que dizer: "lavo as minhas mãos".

3. Eleita presidente da República, não tomarei a iniciativa de propor alterações de pontos que tratem da legislação do aborto e de outros temas concernentes à família e à livre expressão de qualquer religião no País.

Vá lá que Dilma, se eleita, não tome qualquer iniciativa, como promete nesse item. É possível acreditar numa pessoa que anteontem dizia com convicção uma coisa e hoje, para atender conveniências eleitorais, diz outra? E se vier a não tomar nenhuma iniciativa, o que isso significará? Nada! O processo já esta em curso e o PT, ao lado de aliados de outros partidos, fará direitinho "o dever de casa" no Congresso Nacional.

4. O PNDH 3 é uma ampla carta de intenções, que incorporou itens do programa anterior. Está sendo revisto  e, se eleita, não pretendo promover nenhuma iniciativa que afronte a família.

Não é verdade que o PNDH seja uma ampla carta de intenções. É, sim, um decreto assinado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, com pontos muito claros a serem implementados e determinando, inclusive, as áreas do governo responsáveis pela execução de cada um deles. Também não é verdade que está sendo revisto. A não ser que Dilma tenha esquecido de combinar com Paulo Vannuchi, ministro dos Direitos Humanos, que afirmou ficar tudo como está por ter o governo já feito as alterações necessárias. É por isso que Dilma de forma enviezada disse ser "pessoalmente" contra o aborto. Para não ficar contra o PNDH 3 já emendado, que diz: "Considerar o aborto como tema de saúde pública, com a garantia do acesso aos serviços de saúde". Saúde de quem? Da mãe ou do feto?

5. Com relação ao PLC 122, caso aprovado no Senado, onde tramita atualmente, será sancionado em meu futuro governo nos artigos que não violem a liberdade de crença, culto e expressão e demais garantias constitucionais individuais existentes no país.

Aqui o rascunhador da carta comete um ato falho. Admite já o futuro governo da candidata. É um risco calculado. Mas vamos ao ponto: da forma como o projeto de lei se encontra redigido, será muito difícil - senão impossível - para o presidente sancioná-lo sem que se estabeleça a mordaça a quem se expressar contra a homossexualidade. O PLC 122 não se submete ao princípio constitucional da igualdade ao estabelecer privilégios para uma minoria.

6. Se Deus quiser e o povo brasileiro me der a oportunidade de presidir o País, pretendo editar leis e desenvolver programas que tenham a família como foco principal, a exemplo do Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e tantos outros que resgatam a cidadania e a dignidade humana.

A que "deus" o rascunhador da carta se refere? À força superior a que Dilma se referiu em sua entrevista ao Datena? Ou àquele mencionado na entrevista à Folha? Veja você mesmo: "...Eu não acho que a gente pode achar que só existe o... aquele seu Deus, entende? Eu acho que você tem de ter, assim, uma abertura para contemplar todas as possibilidades (...) Eu me equilibro nessa questão: Será que há [Deus] , será que não há?" É ou não é hilário, para não dizer triste!

O resto é com você.
 

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